terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Partilha














O maquinista deu sinal, vai partir.
E tu perdido no rebuliço da cidade.
Há quantas horas te espero?
Vou subir, na certeza, porém,
De que, sem ti, a viagem perde a cor
E a agilidade.

Que bom!
Atrasado, mas chegaste.
Senta-te aqui. As palavras são pequenas,
A carruagem é de segunda, tu sabias,
Mas a paisagem não tem número, é sempre a mesma.

Olha, lá longe, a cor do horizonte,
Como se fosse o céu da tua rua.
E pode ser,
Tu sabes, pode ser…
A verdade é o sonho que flutua
No querer de quem sabe e de quem quer.

Despe as árvores, as pedras, os caminhos.
Apaga o mundo e pinta novamente.
Pode ser como queiras,
Pode ser…
Com outro céu, outra terra e outra gente.

Dá- me um lápis da cor da igualdade
E eu ajudo-te a pintar esta ilusão:
As viagens entre o sonho e a verdade,
Como se fossem as linhas da nossa mão.

Maria da Fonte
Ilustração de Robert Steele

sábado, 22 de dezembro de 2012

O fustigar uníssono de um adeus






O tempo, um copo,
a vida, um trago só.
Na mesa, os restos ressequidos de ansiedade,
na tua face, um cheiro intenso a pó,
na minha mão, a tua mão, esta saudade.




Na sala, um enorme corrupio de avanços
e recuos controversos.
À superfície dos sonhos vãos, imersos,
uma fenda de silêncio,
um cais, um rio.

À janela, um céu sem céu,
um só esperar,
uma lua estilhaçada, um doer surdo,
um golpe no silêncio, um soluçar,
uma noite colossal,
um olhar turvo.


E sobre nós esta partilha tão calada,
o amalgamar dos teus gestos nos meus,
as horas gastas, o copo vazio,
o nada,
o fustigar uníssono de um adeus.


Maria da Fonte
Imagem da Internet


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

É isso
















Veste-se de metonímia, sai à rua,
Persuadida do charme que ainda tem;
Em cada olhar, em cada boca tumultua.
Quem lhe resiste? Quem lhe resiste? Quem?

Imiscui-se entre a gente como o vento,
É quase um prodígio natural;
Surripia o dizer do pensamento
E sai-se sempre bem. É genial!

Com o tosco é mais solta, mais feliz,
Talvez até um pouco estouvada;
Uma espécie de tudo e de nada,
Bordão mágico do dizer de quem não diz.

Com o sábio é mais tímida, mais prudente,
Não ousa avançar sem um sinal;
Olha-o de soslaio, impertinente,
Por trás de uma pose doutrinal.

Esta figura tão prestável, tão galante,
Não é amiga, não é amante, não é gente;
É a COISA que nos sai a cada instante
Quando a palavra fica aquém de quem a sente.


Maria da Fonte
Imagem da Internet


domingo, 2 de dezembro de 2012

Recusa



















Não me peças para te revelar os meus encontros
Fortuitos com a poesia.
Há carícias tão íntimas que só os amantes dominam,
Instantes sagrados onde nem as ideias penetram,
Sonhos impermeáveis ao compasso das horas.

E se tu nunca questionaste os orgasmos que me contraem a carne,
O que te leva a desventrar – me as vibrações da alma?

Maria da Fonte
Imagem da internet

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Siga em frente












Olhe atentamente o mapa dos sentidos,
Contorne as incertezas, siga em frente.
Vai encontrar já longe um cruzamento
Feito de um norte ambivalente.
Se seguir pela direita, fica perto
Da entrada e saída habitual.
Não há serra, não há mar,não há deserto,
É tudo sempre assim…muito igual.
Se seguir pela esquerda, há precipícios,
Onde corpo pode sempre resvalar;
Certezas de grandezas,ou resquícios,
Mas há reptos, há perder e há ganhar.

Depois, uma avenida de grande porte
Que todas as direções hão de cruzar,
Vem da vida e segue em frente até à morte.
Essa mesmo! Não tem nada que enganar.

Respire fundo! Está em hora de ponta.
Vá com calma! Não há pressa de chegar.
O caminho ficará por sua conta,
Só uma vez… sem direito a voltar.

Maria da Fonte
Imagem da internet

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Trapezista



















Entre as brechas da noite,
Equilibro a vida num malabarismo quase que mortal.
Arrasto amedrontadamente os pés pela tímida linha do destino,
Esgueiro o corpo por entre as garras devassas da luz,
Aninho o medo em covis suspensos no terror das horas,
Espreito apavorada o salto fatal.

As feras farejam a minha pequenez,
Cospem, inebriadas, o horror do meu rosto,
Degustam o cansaço que me deixa pendente,
Decapitam-me a confiança com instinto animal,
Arrancam-me da alma a forma de gente.

E eu quero a noite negra, num silêncio imenso,
Onde nada é verdade e eu sou uma miragem,
Para lá do que vejo, para lá do que penso...
Descolar deste brilho tão falaz, tão selvagem,
Sair como entrei, nua… sem bagagem…

Maria da Fonte
Imagem retirada da internet

domingo, 11 de novembro de 2012

MOLDURA


MENÇÃO HONROSA NO CONCURSO LITERÁRIO APPACDM DE SETÚBAL









Minha mãe carregava-me no ventre,
meu pai dava os últimos retoques na quadro de família.
Eu cheguei, surpreendentemente, diferente.
Tive medo, muito medo, que aquele sonho
não coubesse na moldura.
Mas… quem lhe disse que eram essas as medidas?

O bom artesão não lastima a obra imperfeita,
antes a adorna, para que, também ela,
se torne um paradigma.
Meu pai ainda há de ser um célebre mestre
e eu uma obra-prima.

Minha mãe amparava-me do chão,
meu pai pintava-me mais acima.

Maria da Fonte

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Ganhar balanço e sonhar



LUA DE MARFIM
Ainda não tinham aberto as portas da fábrica e já ela olhava de soslaio o relógio. Tinha pressa de chegar. Sabia que para lá daquele arsenal de máquinas de costura havia uma ínfima fenda de luz por onde diariamente espreitava a vida.
Quando alguém procurava fazer chacota desta sua inquietação, firmava-se nas pontas dos pés e atirava obstinadamente todos os argumentos que trazia em defesa da sua causa.
O toque de saída mesclava-se à respiração ofegante que a rapidez dos passos lhe exigia. Não havia tempo a perder, às seis horas em ponto começava a sua novela preferida. Ela só tinha que abrir a porta de entrada, descalçar os sapatos, subir as escadas a correr, abrir a janela, puxar uma cadeira e pronto, começava o quadragésimo sétimo episódio. Pena era que o som não desse para regular e que por vezes a voz dos atores se tornasse praticamente impercetível. Não fosse a sua imensa imaginação e perdia-se ali metade do enredo.
Do outro lado da rua desenhava-se uma extensa parede branca recortada por pequenas janelas salpicadas de magníficos heróis. Era vê-los de sorriso em riste a cumprimentar os pequenos transeuntes que deles se abeiravam. O jardim tornava-se desmesuradamente acanhado para albergar tanta gente.
De repente via-se emergir do lado direito da rua um novelo branco de cabelos desalinhados pela brisa que se fazia sentir. Era ele, ela tinha a certeza que era ele. Foram tantos os dias em que do cimo da janela ficara a contemplar aquele arrastar de passos embrulhado num inexplicável mas inquestionável charme. Talvez ela até fosse capaz de o explicar, tinha dúvidas é que do alto de tanto egoísmo houvesse alguém disposto a dar ouvidos a uma tonta. Que interesse poderia ter um pobre velho? Só mesmo ela para despejar impiedosamente as horas naquelas futilidades.
«Está a chegar, tem calma. Eu vi-o por trás da janela da sala doze. Não desesperes…» -Perdia-se nestes pequenos monólogos, que, na sua opinião, serviam como uma espécie de indicação cénica para orientar o ator. E ele, fosse por telepatia ou qualquer outra espécie de comunicação, acatava as ordens vindas de cima. Olhava para a esquerda, olhava para a direita, na procura do banco mais próximo, e assentava ali, no conforto da esperança, todo o seu desassossego. Subitamente esticava o pescoço e o vento encarregava-se de levar até à janela as suas enternecedoras palavras:
- Então, meu menino, como te correu hoje a vida?
Olhava fixamente o neto à espera de ver nos seus pequenos olhos a resposta que tanto desejava. O mundo do avô cabia inteiro naqueles dois berlindes de safira. E o neto sabia disso, deixava sempre tudo muito arrumado para que o avô se pudesse aconchegar à vontade.
- Mal, avô, muito mal. Não soube responder. Era tão difícil! Mas eu também nunca tinha visto desses sonhos grandes, muito grandes, onde se pode meter tudo… parecidos com a mala da mãe. E a professora disse que eu tinha que fazer um texto novo. Avô, és capaz de me ajudar?
O avô, comovido até à medula, deixava escapar um sorriso ungido de meia dúzia de palavras simples. Olhava do alto da sua experiência a ingenuidade do neto e dizia:
- Claro que sim. Havemos de conseguir meter a vida inteira num sonho, só temos que dobrar tudo muito bem, como faz a tua mãe.
E, de mãos dadas, seguiam rua fora: o neto confiante na palavra do avô e o avô convencido de que a deusa dos poetas não ousaria profanar aquela expectativa.
De longe, já muito longe, chegava ainda um suave trautear que teimava em pousar no peitoril da janela para depois ganhar balanço e sonhar:

A vida cabe no sonho,
Se o sonho couber na vida.
Sou eu que ponho e disponho
Da entrada e da saída.


Manuela Ferreira


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O resto é nada



Que artista tão singular te desenhou?
Que olhar tão absorto te domina?
Da Vinci, se bem lembro, ainda tentou…
Há trejeitos em ti de uma obra-prima.




Não! Uma só mão não pode dar-te o céu
Onde adormece o teu sonho encantado.
Há muito mais em ti que esse véu
Que cobre a luz do teu olhar estrelado.


E tu chegaste à tela dos pintores,
Mas foste além daquilo que se via.
Em ti há cor por trás das outras cores,
Há arte sombreada em poesia.


Tu és a alma que o criador recorta.
O corpo, ao génio, é tela trivial.
O resto é nada…nada mais importa.
Tu és só tu… DIFERENTE…ESPECIAL.

Maria da Fonte
Imagem da Internet

sábado, 3 de novembro de 2012

Desacerto





Fotografei-te o olhar
cambaleante,
a baloiçar nas pálpebras
envergonhadas.
Atirei-te o meu amor,
já tão errante,
feito de veredas
magoadas.



Eu pude ver o mundo
em ti vazado,
ao longo
desse teu longo olhar.
E eu cabia inteira
em cada córnea.
Era a terra profanada
a levitar .

Mas o chão ficou pesado,
eu cansada.
Quis quebrar o meu feitiço,
ver-te com calma,
fotografar-te o olhar
por trás da alma…
A imagem saía sempre
desfocada.



Maria da Fonte
Imagem da internet

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Excentricidades














No meu olhar incolor
há uma vida
onde linhas paralelas
se projetam.

No silêncio da minha voz
ecoa o fado
de destinos transversais
que em mim se cruzam.


No dizer da minha mão
solta-se o eco
destronando
o limiar do indizível.

Nos meandros de mim
há precipícios
por onde os sentidos
se desprendem.




Maria da Fonte
Imagem da internet

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Fénix



















Arrastas amargamente mundo,
polvilhas de sangue os paralelos do tempo.
O céu fica no topo da vida…
E tu caminhas, tal Sísifo,
pelos trilhos do teu amplo querer.
Deténs o olhar na contemplação da paisagem,
sorves a aragem de momento,
revolves a ramagem dos teus dias,
renovas a firmeza dos teus passos...
Estás pronto para tocar o céu,
mas eis que desequilibras do teu querer,
despenhas-te no abismo, cais no fundo.
Temo que não voltes a nascer,
que as cinzas, espalhadas, não te encontrem
na caótica folhagem do teu mundo.

Maria da Fonte
imagem retirada da internet






sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Petulância














Se nunca
Coubeste nos meus sonhos,
como podes querer pintar-me o céu?
Se nunca
adivinhaste os meus olhos,
como ousas encurtar o leito das minhas lágrimas?
Se nunca
dissecaste as partes do meu todo,
como te atreves a desvendar-me por inteiro?

Maria da Fonte
Imagem da internet

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

AMIGOS, hoje apeteceu-me brincar com um assunto mais delicado. Perdoem-me os menos céticos.

A voz do povo


Maria chegou um dia
A casa muito assustada,
Trazia o medo no bolso
E já vinha derreada.
Ouvira dizer na praça
Que o mundo ia no fim.
Ela, que nem o provou,
Desancou-me logo a mim.
-Maria, não acredites
Nos tempos de «era uma vez…».
-Acredito, é verdade,
Vinha num livro chinês.
Vi-me forçada a chamar
O padre da freguesia.
De bíblia aberta apontou-me
Bem no meio a profecia.
-Jesus! Que posso dizer
Agora à minha Maria?
Vamos tratar de comer…
Amanhã é outro dia.
Mas... espera. Vou chamar
Pessoa mais adestrada,
Não vá mesmo acabar
E amanhã não temos nada.
Olha, acaba de chegar
Doutor de livro na mão.
Só ele pode mostrar
Tão cruel aberração.
Abriu a pasta e tirou,
Com enorme confiança,
Os livros onde ensinou,
Como «A grande mudança».
Lia, ostensivamente,
-Co-mal-cal-co - devagar.
Era a pedra que dizia
Que o mundo ia acabar.
-Também este…Estou perdida!
Que vou dizer à Maria?
Que o mundo fora só meu?
Que nem lhe deixei fasquia?
Quero homem da ciência.
Tudo passos de cosmética…
Logo o sábio soletrou:
-In-ver-são- ge-o-mag-né-ti-ca.
-Não me diga que é verdade?
Que é isso? Que me diz?
Que faço agora ao que tenho?
Não comi tudo por um triz.
Espera…olha a televisão:
«Fim do mundo adiado.
Homens em concertação.».
Jesus! Foi tudo forjado.
Estou perdida, minha gente,
Com tamanha execração.
À custa de tanto sábio
Fiquei de calças na mão.

Maria da Fonte
Imagem da internet






segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Descolar da miséria



Facilmente se emocionava com o infortúnio alheio, chegava mesmo a verter algumas lágrimas quando alguém lhe trazia uma história mais comovente. Todos os habitantes podiam contar com ele. Nenhuma história macabra caía no esquecimento. A vida jamais se tornaria um monólogo, havia sempre o intercalar de um «Ai Jesus!», num linguajar corriqueiro que lhe trazia mais sentimento à causa.
Regressava a casa e, já no conforto do seu ninho, começava a reconstruir as histórias e a salpicá-las com uma pitada de sal para que não lhes faltasse aquele pavoroso sabor que sempre abre o apetite aos enjoados da vida. A desgraça dos outros não o incomodava minimamente, até lhe trazia algum alento. Foram várias as vezes que o ouvi dizer: «Gosto de estar entre os pobres para me sentir mais rico.».
As tragédias de rua davam lugar às mais ousadas e arrojadas comédias: «Não têm comida em casa! Até parece que eu tenho na minha. Que horror! Aquele cheiro nauseabundo da cozinha enoja-me. Tenho ali umas bolachas integrais e chegam-me, de resto é no restaurante. Dizem que não podem. Francamente! Também não podem ir ao ginásio. Fica ela por ela!». A família contorcia-se com o sentido de humor do patriarca. Aquilo é que era um homem versátil. Só mesmo ele para agradar a gregos e a troianos.
Na rua, chorava compulsivamente. Sabia que do alto da tribuna tinha que manter a prudência. Não podia, sob pena de cair desconcertado no chão, sacudir os que lhe amparavam o pódio. Melhor era, debaixo de um olhar envergonhado, adotar um timbre de voz mais agudo e trémulo, embalar as formigas no seu canto. Só assim, a compaixão de um homem pode ganhar asas e descolar da miséria.

Maria da Fonte

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Não














E os abutres chegam como balas
trespassando os cadáveres da desgraça.
Pousam em bandos nas margens da miséria,
fazem o cerco à fome que ali grassa.
Bicam os ossos da carne do outrora,
soltam as garras, afiam a arrogância.
Ingurgitados, num ápice, vão embora…
Tudo em nome da salvação (ou da ganância).


Sucedem-se uns aos outros como larvas,
a devorar os corpos putrefeitos.
Os movimentos dos vermes são perfeitos,
só as horas, infindáveis, são amargas.

E o vaivém dos abutres embala a dor
dos que se deixam comer tão facilmente.
Galardoam-se uns aos outros, solenemente,
e os mortos assistem, sem pudor.

Que noite pode ocultar tal ousadia?
Que dia pode lavar tanta ambição?
Que Terra pode girar sem haver dia?
Que gente pode morrer sem dizer NÃO?




Texto: Maria da Fonte
Imagem: birdstrikepirum.blogspot.com

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Nos meandros da loucura

















Dizem-me louca por desnudar a alma,
deambular por aí grandes monólogos.
E eu olho-os debaixo de mim, assim fugaz...
tão indiferente, tão distante, tão serena.
Manietada?! Não sei viver! Não sou capaz!
Antes ser louca, sim, mas ser plena!
Não posso! Não quero! Não sei ser só metade!
Só sei ser eu à margem do senão.
A insânia em constante erupção,
afrontando os preceitos da verdade.
E sei ter asas, ser quadrúpede, rastejante…
dilacerar os dias num instante,
sem talheres, etiquetas…pulcritude.
E o que é a razão, sem a plenitude?
Digam-me lá, detentores da certeza!
É ser bípede, comer a uma mesa…
Julgar-se, quem?! Dono da virtude?!

E vocês sabem lá o que há de mais certo!
Pois… a morte do idiota e do esperto.
Com uma grande diferença, é sabido:
o esperto só viveu a morte;
o idiota morreu por ter vivido.

Texto: Maria da Fonte
Imagem: Mark Freedom



quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Mundo em branco



Ontem saí por aí de saltos altos,
lábios rasgados num sorriso inteiro,
corpo liberto de algemas,
coração a mendigar um abraço franco.



Cruzei multidões espargidas em corpos disponíveis,
ruas seduzidas de vícios,
bares entupidos de beijos,
copos empilhados de delírios,
lábios manietados à excentricidade do sorvo,
olhares parados,
braços ressequidos de afetos,
desejos mascarados,
corpos em ruínas.

Um mundo disponível,
onde eu chegava e tudo me chegava.
Um mundo em branco, ilegível,
onde o meu abraço franco se apagava.

Maria da Fonte
Imagem retirada da internet


sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Entre a ganância e o chão

Quando os sonhos adormecem,
as noites escorrem em vão,
os dias pingam, humilhados,
e homens morrem esmagados
entre a ganância e o chão.

Os ossos dos que rastejam
embalam suavemente
a carne dos que sobejam
à tona de um mar de gente.

E o sangue corre ligeiro
por entre vales de fome
e montanhas de cobiça.
Ninguém estanca a escória,
morremos… é nossa sina
(somos gente submissa).

E a Terra não é redonda
como o prato da minha mesa.
É dividida em estratos:
fome, tortura, avareza.

E os homens não são iguais
como apregoam por aí:
há homens que são mais homens
e homens que nunca vi.

Maria da Fonte
estereotipodaperfeicao.blogspot.com


quarta-feira, 11 de julho de 2012

Depois do homem



A mudez da noite pregava-lhe o último golpe. Logo naquele dia em que ele, recostado ao parapeito da janela do quarto, arranjava alguma paciência para, no silêncio sepulcral das trevas, prestar contas a um deus qualquer. Na correria do tempo e na azáfama do percurso, escassos eram os momentos que tinha para meditar mais a sério. Confinava os pés ao ciscar de ganâncias fortuitas. Sempre cabisbaixo, não fossem as ambições, peadas à leveza dos sonhos, fintar-lhe os desejos e arrastá-lo para ensejos triviais, desenxabidos, onde a metamorfose se reduz a rotinas insípidas e sem qualquer espécie de lucro.
Os dias foram, apressadamente, corridos. Não podia perder uma nesga de tempo a contemplar a futilidade das coisas pequenas que ali haviam sido colocadas propositadamente. O mundo era muito mais que uma árvore, uma flor, uma pedra, um lago, um bicho… era o palco de grandes atuações, onde nunca se deixara impressionar pelo cenário.
Agora dispunha de parcos segundos para despir o olhar obstinado que o conduzira até aqui e vestir-se de um mundo mais leve. Não fosse uma dor aguda atravessar-lhe abusivamente o corpo e ele tê-lo-ia feito. Estava disposto a consultar o saldo da vida e a reajustar a diferença. Queria debruçar o olhar sobre o passado e sacudir as lembranças, mas o peso do corpo começava a aquietar-se ao compasso ritmado dos homens que o levavam.
Tantas vezes havia cruzado o caminho e hoje não o reconhecia. Atrás, como uma orquestra afinada, a turba entoava soluços e choros cadenciados pela dor. Uns vociferavam aos céus tamanha injustiça, outros encolhiam-se no silêncio, como se temessem, também eles, ser descobertos por um qualquer criador e forçados a partir sem sequer um adeus.
O caminho, outrora ágil e ameno, tornava-se agora longínquo e sinuoso. Ele temia o seu fim. A ideia de ser deixado na última estação aterrava-o. Como poderia ele, num corpo madraço, enfrentar os contratempos da jornada? O frio do chão gelado e a sombra das noites negras intimidavam-lhe a alma. Não estava, de todo, preparado para seguir viagem, até porque deixara por acertar tantas contas, tantas histórias a meio, tantas pedras por carregar no caminho. Não podia partir, sabia que não podia, mas as mãos do juízo final arrastavam-lhe o corpo retesado, minado pela gula de vermes famintos. Sentia a carne a despregar-se dos ossos, como se uma larva colossal se tivesse apoderado da sua ténue esperança e assolasse impiedosamente o seu corpo exangue, ostentando nas garras o banquete universal. O seu hálito nauseabundo minava-lhe o corpo e intoxicava-lhe a alma. O pranto da multidão, mesclado ao chilrear dos pássaros, ao crepitar das árvores, ao rugir das bestas, ao bramir dos homens, amedrontava-o e sepultava ali a última resignação que em si havia para presidir majestosamente ao seu funeral. A alma exigia descanso e um caminho perene que lhe permitisse curvar a consciência sobre o seu julgamento e acatar solenemente a sentença. Emborcada num corpo inerte, procurava delongar a condenação, prolongando o trilho final. E ele desejava, mais que tudo, um caminhar permanente, um colo quente onde pudesse iludir a frigidez do corpo. Suspeitava que para lá do chão que pisava, dos mares, dos planetas, da matéria, habitava o vazio, o imenso nada onde se atracam os corpos.
Nesta amálgama de terrores, vinha-lhe à memória, numa espécie de viagem ultrassónica, todos os passos que percorrera num tempo que se dizia seu. Questionava, indignadamente, a ausência de pegadas. Afinal todo o passado, que se pensava substância, nada mais era do que uma lufada de sonhos assentes em coisa nenhuma. E a sua memória, talvez menos desperta do que a de Brás Cubas, limitava-se a trazer à superfície pequenos retalhos da vida.
Desta viagem só sobrava ele, o único alicerce de um castelo que euforicamente construíra e que agora se desmoronava como uma nuvem de pó, onde os vermes entusiasticamente proliferavam, edificando vidas paralelas. Restava-lhe, como única certeza, o dever de devolver à terra o corpo que nunca lhe pertencera. Presentear, ainda que amargamente, os vermes com o seu cadáver, por serem tão dignos da vida como ele. Deixar, enfim, a alma seguir…

Texto: Maria da Fonte
Este texto integra a cletânea «Ocultos Buracos»


terça-feira, 3 de julho de 2012

As palavras


As palavras são o meu berço,
onde sossego os meus medos,
a quem sussurro os segredos,
de quem nunca me despeço.

As palavras são o meu cais,
delas parto, a elas retorno.
Mais resistentes que as velas,
mais maleáveis que os ventos,
mais sólidas que o mar revolto,
mais definidas que os homens;
dobram cabos, criam mares,
defrontam adamastores,
velejam para lá de mim,
trazem-me ilhas e amores.



As palavras são os meus olhos,
o tronco que me segura,
o sangue que em mim pulula,
o meu único universo,
donde parto e regresso,
o meu berço… a sepultura…

Texto: Maria da Fonte
Imagem: catarinapoeta.com



quinta-feira, 21 de junho de 2012

Hino à liberdade


Já disse adeus à saudade
Hospedada no meu peito,
Vou viver em liberdade,
Não sei viver doutro jeito.

Quero ser ave, ser vento,
Com morada indefinida,
Ir além do pensamento,
Ser mais ligeira que a vida.

Ser eu assim repartida
Entre vontades sem fim.
Viver a vida incontida,
Ser livre, sair de mim.





Texto: Maria da Fonte
Imagem: rosariumaria.blogspot.com


segunda-feira, 18 de junho de 2012

SOMOS UM POVO PACÍFICO





Hoje tive um daqueles dias enormes, em que as horas se arrastavam tão lentamente que eu até cheguei a pôr a hipótese de as expulsar do meu dia. Ai está pasmado! Então veja o que tenho para lhe contar.
Acordei pelas sete da manhã e vesti-me apressadamente para levar os meus filhos à escola, para, de seguida, me dirigir ao hospital, já que me aguardava uma consulta marcada há sete semanas e meia. Sim, há sete semanas e meia. É que na altura andava muito mal da coluna e queria que o Sr. Doutor me resolvesse o problema, ou pelo menos que mo anestesiasse por uns dias. Mas assim não teve que ser e eu fui adormecendo a dor à sombra do abençoado brufen . Cheguei a temer que o corpo se habituasse à droga, mas não, até se portou muito bem.
Até aqui tudo correu lindamente, eram nove horas e já eu aguardava sentada à porta do consultório do Sr. Doutor que, presumidamente, me iria atender. Já com algum tempo para pensar na vida, começa a vir-me à memória uma série de episódios burlescos que me haviam acontecido naquele hospital. Dei comigo a rir-me desenfreadamente de alguns deles, que, na altura, me tiraram do sério e me levaram a soltar a língua. Não é que isso me aconteça com frequência, mas há dias em que perco as estribeiras e começo a exigir que se faça alguma justiça neste país de corruptos. E não leve a mal a minha franqueza, até lhe peço desculpa por esta ousadia. A esta hora o amigo já está furioso comigo e a perder também a sua paciência por me ver constantemente a mudar de assunto. Pois, eu sei disso, mas estou com algum receio, é que eu não vou falar de nenhum funcionário de limpeza, que esses até estavam lá todos e não me aborreceram nada, vou falar do Sr. Doutor que, como já lhe disse, em breve iria ouvir as minhas lamentações. Sim, esse mesmo. Já passavam quarenta e cinco minutos quando ele apareceu todo arreliado e, olhando de soslaio para a sala, foi rosnando baixinho «cambada de malandros, estão tão doentes como eu». Bem, mas isso não interessa, o mais importante é que eu estava prestes a ser atendida e já só precisava de uma justificação para os noventa minutos que iria faltar ao trabalho. Afinal, nem precisei de tanto, o Sr. Doutor foi mais eficiente do que o que eu estava à espera. Ainda não tinha aberto completamente a porta e já ele prescrevia a receita. Diga lá que não foi eficaz. Permitiu-me que chegasse mais cedo trinta minutos ao emprego. Deu um excelente avanço à coisa. Pena é que não tenha ouvido o que tinha para lhe dizer, mas também não faz mal, marco outra consulta e resolvo o problema mais tarde. Hoje também não me dava muito jeito, tenho tanto e tanto trabalho no serviço. Olha, logo se verá o que se pode fazer.
Entro na escola, dirijo-me à secretaria, entrego a justificação e corro aceleradamente para uma sala de aulas. Sabia que nesse dia tinha três substituições a fazer. Tinha sido, antecipadamente, avisada pelo Sr. Diretor. Alguns amigos dele estavam a faltar, parece que tinham ido para um torneio de golfe, e não estariam na escola nos próximos dias, pelo que cabia-me a mim a tarefa de lhes justificar um quinto do ordenado. Acha que é muito? Olhe que não. Quando lhe disser que ainda tinha sete atas para fazer e três vigilâncias, vai-se arrepender de todo o mal que está a pensar a meu respeito. Sim, sim…isso tudo. Os amigos do Sr. Diretor não tinham jeito para a escrita e também lhes faltava pachorra para estarem duas horas especados dentro de uma sala de aula. E eu tinha medo de perder o emprego. Não me chame covarde, amigo, afinal ainda não sabe nada de mim. E se soubesse que eu já fui ameaçada pelo Sr. Diretor, por ousar ripostar a uma ordem sua. Naquele dia andava sem paciência para aturar os caprichos dos amigos do Sr. Diretor. Até desabafei com uma amiga, mas ela confessou-me que em todo lado era assim. No tribunal, ela dava todos os dias mais sessenta minutos para um amigo do Sr. Juiz sair mais cedo, não aguentava tantas horas fechado. Até o marido tinha chegado furioso um dia destes. Era júri de um concurso que tinha havido na câmara, mas o Sr. Vereador avisou logo que não estivessem com coisas, porque o primeiro lugar já tinha sido prometido ao amigo. Ora, como podem ver, esta conversa não veio ajudar em nada o meu fim de dia. Resolvi descansar a raiva num jardim vizinho.
Sentei-me num banco, próxima de uns reformados, e comecei, em jeito de analepse, a recordar o meu dia. Não demorou, porém, cinco minutos e eu já estava de ouvido colado à conversa dos dois homens que ali se encontravam. Dizia um para o outro: «Os nossos políticos são uns corruptos». O outro, com a maior calma do mundo, respondia: «Não te aborreças, homem. Nós até somos pacíficos, como diz o Sr. Presidente».
Fiquei toda a noite a pensar nesta conversa. Pois, eu bem sei porque é que nós somos pacíficos...

Texto: Maria da Fonte
Imagem: naoamiseria.blogspot.com

sábado, 9 de junho de 2012

Quero ser político





Há dias em que os meus filhos me fazem sentir uma mãe tão desatenta, tão pequena… enfim, tão miserável. Não sei se convosco se passa o mesmo, mas, talvez para me sentir menos infeliz, quero acreditar que sim. Hoje mesmo, o meu filho mais novo colocou-me uma questão que me deixou cinco minutos boquiaberta. Depois, envergonhada, fechei a boca e fui esconder-me por baixo de uma mesa deplorável que tenho no centro da cozinha e que já não tem utilidade nenhuma, afinal para comer um papo-seco nem faz falta sentar, não vá esse descanso abrir-nos o apetite…
Mal dá o primeiro passo para pôr o pé em casa, reparo no seu mau humor, mas nem tenho tempo para lhe perguntar nada, já que ele, apressadamente e num tom carregado de desilusão e de raiva, se vira para mim e diz:
- Mãe, hoje estive com a psicóloga da minha escola para ela me ajudar a escolher a área que devo seguir. E sabes uma coisa? Não volto lá mais!
- Não voltas lá mais?!
- Não. Estou cansado de ouvir sempre a mesma coisa. Vem sempre com o blá-blá-blá dela e eu já não estou para a aturar. Já lhe disse que quero ser político, mas ela não me diz qual é a área que devo seguir e eu fico meio perdido no meio disto tudo.
Ora, digamos que esta convicção do meu filho me deixou excessivamente assombrada. Cheguei mesmo a duvidar da sua sanidade mental, a pensar que ele não entendia nada do que estava a dizer, e, pelo sim ou pelo não, perguntei-lhe:
- Por que razão queres tu ser essa coisa, se há tantas profissões bem mais interessantes do que isso?
- Só podes estar a gozar-me, mãe. Profissões melhores do que esta? Tu achas que esquartejar um homem, ouvir desaforos de alunos e pais malformados, sujeitar-me às queimaduras solares em cima de um obra ou até mesmo deixar em pó o meu cérebro, sentado num tribunal, a defender causas perdidas, é melhor do que ser político? Não, mãe! Estás muito enganada.
-Ó filho, tu não vês como eles são…- preparava-me para lhe dar mais uma das minhas lições de moral e, claro está, desancar naquela espécie de sanguessugas, quando ele, já um pouco irritado, me responde – bonitos como pavões, ostentando nas penas todas as pérolas preciosas que conheço; de pele luzente como estrelas, carregando com eles todas as praias e todos os sóis do mundo; nutridos como os leitões da Bairrada, de tantas sestas que tiram no parlamento…-Digo-lhes que, perante tantos argumentos, quase ficava convencida. Foi então que me surgiu a ideia de recorrer à literatura para me ajudar a sair daquele embaraço.
- Lembras-te de quando me pediste para te explicar «O Sermão de Santo António aos Peixes», aquele texto que saía num teste que ias fazer?
-Sim, sim, estou perfeitamente lembrado.
- Então, também queres encher a barriga à custa da pequenez e da fragilidade dos outros?
- És tão inocente, mãe. Essa conversa já é antiga e repete-se no tempo. Já agora, também te lembras de me explicar «Os Maias» e de me dizeres que Eça estava muito atento à corrupção política e social do seu tempo, ou até mesmo de me explicares alguns poemas mais contemporâneos e de me pedires para não confundir o autor com o sujeito poético? Tu lá sabias porquê…mas às tantas é porque já vias aqui um peixe grande disfarçado de pequeno.
- E tu queres ser um desses peixes astronómicos, queres que o teu corpo cresça à custa de inofensivos cardumes?
- São esses, mãe, os grandes, que nunca são capturados, ou melhor, às vezes até se chegam a eles, mas é só para lhes depositar uma medalha ao pescoço. Tu já viste, mãe, algum peixe pequeno a ser condecorado?
- Não te percas, filho. Concentra a tua atenção na dignidade das coisas pequenas, que só essas poderão fazer de ti grande.
- Quero ser político, mãe. A não ser que eles sejam depositados num aquário e aí, sim, eu posso escolher qualquer profissão do mundo, porque sei que o nosso mar estará em segurança.

Maria da Fonte

domingo, 27 de maio de 2012

Desassossego
















Tenho em mim o desatino entranhado
e devaneio como um louca alucinada,
que tanto embala a multidão ao colo,
como ignora quem a seu lado caminha.
Sou o mundo à sombra dum plátano,
aguardando uma fenda de luz
que me arranque das trevas deste pântano,
que me devolva a chama, dita minha,
mas que nem sei sequer se me seduz.


E que manhã pode contar comigo,
se eu nunca sei como vou acordar?
E que noite me ousará levar,
se eu nem sei se sou, se não sou, se tenho sido?
Às vezes já morri e fico bem no repouso
da alma tão esgotada,
outras vezes tenho medo de dormir,
como se a vida me fugisse
em menos nada.

Texto: Maria da Fonte
Imagem: reencontro.blogs.sapo.pt

terça-feira, 22 de maio de 2012

Não desisto



Embato em labirintos de saber,
onde os reflexos se multiplicam ao infinito.
Não me encontro nessa imensa babilónia
e tenho medo das trevas do meu grito.

Somos tantos e tantos nos espelhos,
das folhas que alicerçam o desmedido,
a querermos uma árvore colossal,
carregada de ilusão e de sentido.

E é nesta vastidão onde me abrigo,
como um mendigo envolto em sofrimento,
que eu me levanto, caio, digo e desdigo,
mas não desisto da torre em movimento.

E mesmo que as paredes majestosas
esmaguem o meu pequeno grão de areia,
não desisto do labirinto das histórias
nem me desvio do canto das sereias.






Texto:Maria da Fonte
Imagem:pnlblogue.blogspot.com



quarta-feira, 16 de maio de 2012

Miragem



Subo os dias
dos dias que se vão,
sem escada, degraus ou corrimão.
Componho a vida
de notas musicais,
e que sei de Mozart, Vivaldi,
Chopin, Strauss, Bach, Verdi
e tantos, tantos mais?



O que conheço dos astros
é tão pouco.
O que ouço dos ventos
é quase nada.
O que escrevo nos livros são miragens
de uma vida fugaz
despenteada.






Não sou músico, nem poeta,
e nem sou mudo.
Sou um misto de verdade
e de mentira,
que, ao som do piano
e da lira, lança ao vento
um punhado
do meu mundo.

Maria da Fonte
O poeta e o anjo, Mário Eloy

terça-feira, 24 de abril de 2012

Abril


Se fecho os olhos,
Vejo as cores de Abril,
Serpenteando
As chamas da esperança
E aquele ousado
Orgulho em mim emerge,
Tal euforia
Nos passos de uma dança.





Se ouço o silêncio,
Tudo é melodia,
E a voz do povo
Soa-me cadente,
Acorda em mim
A fé daquele dia,
Embalo o sonho
Ao som de tanta gente.

Mas
Se desperto,
Tudo é utopia
E aquela Grândola
Soa-me distante.
A voz do povo,
Que a dormir ouvia,
Esvai-se em choro
Dolente, constante.

Maria da Fonte
petrinus.com.sapo.pt


domingo, 22 de abril de 2012

Poeta


Ruminava há anos uma estratégia para se livrar da morte. É que isto de morrer tem que se lhe diga, e o melhor mesmo é fintá-la ao primeiro ensejo. Era com estes pensamentos mágicos que os Poeta, assim lhe chamavam no lugar da Farrapa, enxotava o medo que lhe varria a razão. Em momentos de maior loucura, chegara mesmo a afirmar que esse medo que o acompanhava nas deambulações pela aldeia era o seu cão de caça, que tinha cá um faro, capaz de sentir a quilómetros de distância o odor mortífero das presas que se espatifavam no chão com um tiro certeiro do criador.
Quem não gostava nada de o ouvir com estas conversas, era a gente da terra. Sempre que passava pelos caminhos, entregue a grandes monólogos, tinha que se sujeitar ao assobio das crianças, quando não chegava uma ou outra pedrada mais ousada para lhe calar a boca, e aos desbaratos de um ou outro morador que naquele dia se achava menos pachorrento.
- Já vens, ó excomungado! Que andas por aí a dizer? Olha que o Pai está lá em cima a tomar conta das barbaridades que atiras por essa boca fora.
- Não me tira o sono, está descansado. Não faço contas de me cruzar com ele- e continuava o caminho, agora silenciosamente. Talvez tivesse pena das palavras que cuspira agressivamente para calar a boca daquele atrevido. Talvez sentisse inveja das magras ideias, assentes em pilar nenhum, que edificavam aquele dizer tão simples e tão genuíno. Afinal, tinha a certeza de que para lá do que o que os seus olhos viam era o escuro absoluto, o silêncio gelado do remate da vida. Esta convicção tornava-se indestronável, esta sombra, como um delinquente, perseguia-o.
Entrava num pequeno casebre que o seu pai lhe deixara e, numa ambição descomunal de se tornar eterno, vomitava para o papel tudo o que lhe consumia a alma. Depois, mais aliviado, dizia: « se me levarem o corpo é o de menos».
Só os seus textos poderiam trazer-lhe o tal céu de que a sua gente falava, só a eles confessava a sua dor, o seu ânimo, a esperança de nunca morrer.

Maria da Fonte
carla.santin.blog.uol.com.br

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O meu rio


O meu rio vem descendo
O horizonte
Como quem chega
Em passo nupcial.
Saúda gente, montes,
Vales, prados, fontes…
Enfim, traz-me de volta
Portugal.





O meu rio corre limpo
Pelas colinas
Como quem anda
No seu cavalo alado.
Traz-me de volta
As águas cristalinas
E o pulsar do meu
País roubado.

O meu rio desagua no rosto
De cada olhar plantado
No seu leito.
Embate na verdade,
É deposto
E o meu sonho,
Quebrado,
Cai desfeito.

Maria da Fonte
o-blog-verde.blogs.sapo.pt




sábado, 14 de abril de 2012

Não levem sapatos altos













Há dias em que saí de casa de carteira bem recheada. Tinha que me sentir preparada para enxotar uma ou outra tristeza mais atrevida que ousasse bater -me à porta. Não entendem? Bem, a mim parece-me mais que se estão a fazer de desentendidas. Sim, desentendidas! Não fossem vocês mulheres e eu até podia acreditar na vossa ingenuidade, mas sabem como é, vestimos todas a mesma pele de cordeiro e pelo caminho lá vamos fintando uns quantos. Cá eu é só cerrar um bocadinho as cortinas, pintar um sorriso mais amarelo, fazer alguma pressão nas cordas vocais, inclinar ligeiramente a cabeça para a frente e sai tudo na perfeição. Deambulo um bocadinho pela casa, até que toda esta tristeza seja encontrada e me dite um dia magnífico. Outra vez? Eu não sei onde está a confusão? Vão-me dizer que sou muito complicada. Olha que não, e vocês sabem disso. No que toca a papéis, ainda não reduzimos nada, é que primeiro estamos nós e só muito depois o Planeta. Ora vejam:
-Ai, meu amor, hoje o dia foi péssimo, é uma tristeza tamanha e nem sei dizer porquê. Só me apetece ver gente, gente, muita gente, para me abstrair desta dor que me tem atormentado todo o dia. Até já ponderei em sair um bocadinho, a ver se voltava mais alegre, ou então vou para a cama e não me levanto mais.
- Vai, isso passa, depois até voltas mais animada e quem sabe…
Ora isso é o que eu quero ouvir, mas disfarço muito bem, afinal a experiência dá calo. E sempre cabisbaixa, não vá distrair-me por instantes e ser apanhada em falso, num tom meio melodioso, meio melancólico, vou dizendo:
- Sei lá…tu achas que me fazia bem?- mas, já sem tempo para ouvir a resposta, avanço sub-repticiamente até à porta.
- Até logo, meu amor. Espera por mim.
É claro que não me esqueci de nada, foi tudo pensado e repensado ao milímetro. Até foram aqueles sapatos, os que me levam mais longe, que me tornam mais veloz e me ajudam no peso dos sacos. Não posso desequilibrar-me do alto de tanta opulência e cair estatelada no chão, já viram a vergonha. Até podia bater com a consciência e arranjar ali um hematoma insanável para o resto da vida.
Não lhes vou perguntar se já alguma vez fizeram isto, estamos a chegar ao verão e a tal pele começa a fazer calor, mas posso dar-lhes um conselho: não levem sapatos altos.

Maria da Fonte
todaela.uol.com.br

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Sonho














É o sonho
que me solta lá do fundo,
que me eleva ao pico surreal,
que me chama, que me acolhe
além do mundo, que me aquece
na chama universal.

É o sonho
que me leva, sem chegar,
que me abraça na força do seu grito,
que me traz a noite e a lua,
o sol e o mar,
que me beija no calor do infinito.

É ao sonho a quem me dou
nas noites frias,
com quem corro nas tardes de verão,
a quem ofereço o sorriso dos meus dias,
a quem segredo o meu amor,
em oração.

Maria da Fonte
docerefugio.blogs.sapo.pt

quarta-feira, 11 de abril de 2012

O meu povo

O meu povo,
Aninhado na vergonha
E na dor
Que, como a fome, prolifera,
Já não come,
Já não dorme,
Já não sonha,
Jaz prostrado à sombra
Doutra era.


E ao leme do meu país,
O comandante navega
Por entre um mar de gente,
Corta ondas de sangue,
Avança veloz,
Hasteia impaciente
A sua sorte,
Alardeia aos sete mares
A nossa morte.

No regresso da viagem,
Vem mais leve,
Traz a bordo a sombra
Da nação.
O povo, esfaimado,
Nada pede,
É submisso
À voz do capitão.

E se houvesse
No meu país uma outra voz,
Mais terrena,
Mais maciça,
Mais real,
Que plantasse em cada olhar
Uma vitória,
Que erguesse em cada punho
Portugal,
Que escrevesse em cada alma
Outra história?

Maria da Fonte
segredosdoaltar.blogspot.com

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Maratona


















Deixaram-me no início da meta e gritaram-me um «segue a maratona!». Convenci-me de que só correndo desenfreadamente poderia atingir o fim. Não senti o vento que me batia no rosto, não senti o solo que me impulsionava os passos, não ouvi os aplausos da plateia, corri, corri, corri, tal Forrest Gamp.
Já o cronógrafo marcava meia vida, quando a impaciência das articulações e o peso da consciência me fizeram curvar o olhar e abrandar o passo. O caminho, outrora perene, indómito e sinuoso, tornava-se agora mais fugaz que uma aragem, mais maleável que um sonho e mais leve que um desejo.
Era urgente tomar as rédeas aos dias, agarrar a fé do momento e deixar-me ir pelo sonho; depois, carregar no colo, cuidadosamente, alguns mimos e seguir o rasto de outros. Sim, o rasto de outros! Ou vocês não sabem que nem todos os sonhos se edificam? Alguns ficam-se apenas pelo projeto e nem por isso deixam de ter asas. Estivesse entre nós Sebastião da Gama e dir-vos-ia que nesta viagem o mais importante é a esperança naquilo que talvez nunca teremos. Digam-me lá se a ideia de agarrar um sonho não é muito mais fascinante do que a de o ter na mão. Pois, é neste espaço que medeia entre o querer e o ter que a corrida decorre, é aqui que cabe a cada um dos participantes depositar na balança estes dois princípios e traçar o destino. Quantas vezes atropelamos desesperadamente o querer só para agarrarmos o ter! Valerá a pena? Façam as vossas contas.

Maria da Fonte
wordsaboutit.wordpress.com

terça-feira, 20 de março de 2012

Primavera
















Uma mulher fogosa, sedutora,
a primavera chega sorrateira.
Em movimentos ousados, sugestivos,
escorre em deleitosa cachoeira.
Deposita segredos sussurrantes
em ouvidos de pele arrepiada,
acirra desejos nos amantes,
subjugados…e ela extasiada…
Todos se perdem nas curvas do olhar,
no suspiro lascivo e sibilante,
no desejo indomável de a tocar,
no apressar da chegada ofegante.

O profético jogo da sedução
leva a amante, sedenta de prazer,
a ceifar do harém da tentação
o desejo insaciável do querer.
O fugidio instante é agora eterno,
ao ir sugando o sangue do inverno.

Maria da Fonte

Paraíso





Olhava à sua volta como se lhe faltasse o eco da dor, sufocado por aquelas quatro paredes brancas. E, em pezinhos de lã, arrastava o corpo combalido, anulando por instantes a existência. A noite aproximava-se como uma farpa.
Sentada sobre um pufe negro que ali lhe fora colocado propositadamente para aliviar o peso da tortura, a rapariga deixava-se enterrar até ao último desejo. Tinha quase as medidas perfeitas, era só manter a boca fechada mais nove ou doze dias e ninguém a iria parar. A porta do sonho estava semiaberta, um pequeno toque e era vê-la nas luzes da ribalta a compilar sucessos. Afinal, de que valia o céu sem as estrelas? De que valia a vida sem aquele brilho intenso, capaz de ofuscar o olhar mais distraído?
Permanecera durante longos meses sob a luz coruscante do seu sonho e nem a exalação do corpo, causada pelo calor tórrido da obsessão, a fez demover um só milímetro.
Os dias foram passando e a mãe, embriagada pelo pavor do último momento, corria freneticamente em busca da última poção mágica capaz de a arrancar daquele inferno. Para amenizar a dor e depositar ali uma réstia de esperança, perdia-se em pensamentos absortos que lhe traziam o último fôlego da alma. Vinha-lhe à memória a famosa viagem de Dante e pensava que também ela teria direito a um outro reino.
-Que Deus teria a coragem de aprisionar ali um seu discípulo? - perdia-se em pequenas questiúnculas que a levavam sempre ao mesmo ponto de encontro, as paredes brancas onde paulatinamente via estancar a última gota de sangue que um dia ofertara a esse Deus de quem agora duvidava. Recusava-se, porém, a desmistificar a tragédia que assolara à sua vida. Tinha medo de pronunciar as palavras, como se elas pudessem vingar-se dessa ousadia. Quando alguém lhe perguntava pela filha, remetia-se, momentaneamente, ao silêncio e, depois de muito cogitar, dizia:
-A minha filha, graças a Deus, está bem. Só anda com um bocadinho de falta de apetite, mas isso talvez seja do calor ou de outra coisa qualquer que a preocupa… sabe como são os jovens.
As últimas palavras, tolhidas pelos soluços estrangulados na garganta, tornavam-se quase inaudíveis. Depois, voltava o silêncio e o frenesim de imagens que lhe invadiam a alma. Não suportava este interrogatório que, como um agoiro, teimava em piar ao seu ouvido. Enterrava-lhe antecipadamente a derradeira esperança. Via nele reflectido o corpo semimorto da filha que deixara naquelas quatro paredes, e, entre o amor e a raiva, questionava-se:
- Onde foi que eu errei? Que posso agora fazer para remediar o mal?
Ficava horas afundada naquela confusão de sentimentos. Até que, para enganar a dor, repetia silenciosamente as últimas palavras que ouvira da filha.
- Mãe, não achas que estás a exagerar? Repara, ainda há muita carne no meu corpo. Eu sei, mãe, que não posso chegar ao limite, mas também ainda estou muito longe. – era com estas palavras que vendava a alma, rasgava as trevas irrespiráveis e pendurava a esperança na nesga de luz que só os seus olhos vislumbravam. Concentrava a sua vontade neste desabafo. Sabia que, sob pena de encalhar na verdade, teria de permanecer adormecida. Não podia ver a filha a entregar assim o seu império. Não tinha forças para apanhar os escombros.
E, entre verdades e sonhos, chegou a noite. Trazia o semblante carregado de pequenos farrapos negros. Aproximava-se um pavoroso temporal. De nada lhe valia abrir os olhos, já só a imagem do Paraíso podia consolar aquela dor.

Texto: Maria da Fonte
Imagem: comunidade.sol.pt
Este texto faz parte da coletânea «Corda Bamba»

domingo, 18 de março de 2012

Mãe














Há dias, infinitamente longos, em que me refugio no teu colo e te suplico que me deixes voltar a ser a menina dos teus olhos. Eu sei que tu és frágil, que o teu ventre já não tem o vigor e a elasticidade de outrora, mas o perfume do teu amor é intenso e eu não lhe sei resistir.
Mãe, és capaz de tirar aquele cobertor verde do baú e voltar a aconchegar-me nele? Não faz mal, Mãe. Eu não me importo com a traça. Eu sei que não há bicho, por mais ardiloso que seja, capaz de deixar em farrapos o nosso amor. Se tu me trouxesses aquele cobertor, eu podia mostrar-te como tu me fazias sempre que me doía a barriga. E tu, Mãe, ias ver como eu aprendi bem a lição. Não há cama no hospital, não há banco no jardim, não há berma na estrada para alguém que tem um cobertor tão quentinho para me dar.
Um dia, Mãe, eu vi-te na televisão e o meu coração ficou tão apertado. Como é que isso aconteceu, diz-me, se nós estávamos as duas sentadas no sofá? Hum! Talvez não fosses tu, mas isso não me descansa, porque eu sei que a loja onde compraste o meu cobertor verde vendeu milhares. Onde estão essas mães que um dia se cruzaram contigo? Onde estão esses filhos que elas carregaram no ventre? Não morreram, Mãe! Uma vez eu vi-os naquela festa de anos a que tu me deixaste ir. E tu, Mãe, já foste alguma vez convidada por essas mulheres para uma festa de anos? Ah! Deixaram de os festejar…Que pena! Eu gostava tanto de as ouvir, em bicos de pés e queixos aprumados, a contar, embevecidas, as vidas hilariantes dos seus filhos. Tenho a certeza de que todas essas histórias, com um ponto de exclamação ali, três ou quatro vírgulas a mais e algumas reticências, davam um prémio Nobel da literatura. Achas, Mãe, que as histórias que os filhos agora têm para contar delas também podiam servir de guião a qualquer escritor, ou são tão vergonhosas que nem o ousado Saramago fora capaz de as reproduzir?
Lembras-te, Mãe, do que nos contou um dia a Tia Maria? Ah! Havia muitas…Mas era aquela que todos os dias tocava o sino para o terço das seis. Essa, Mãe! Tinha uma menina de seis ou sete anos que entrou para a escola no mesmo dia que eu.
Um dia chegou a casa com um braço pendurado porque tinha subido a um pinheiro para mostrar que também sabia voar. Dizia ter nascido diferente, metade menina e metade pássaro. Só que as asas dela nem sequer eram de cera, e ela subiu tão pouco, mas caiu no chão mais amarrotada que um Ícaro.
A mãe, com a voz embargada pelo espanto e as lágrimas a lavarem-lhe a dor, dizia:
-A minha menina só está aqui porque teve a mão de um anjo a ampará-la.
Eu fiquei dias e dias a seguir todos os homens da aldeia. Quem seria capaz de segurar uma menina na palma da mão? Tu rias-te de mim, Mãe, e dizias-me que os anjos eram pessoas especiais que habitavam outro planeta e que um dia eu iria conhecê-los. Vivi anos à espera desse dia, até que perdi a esperança. Sabes porquê, Mãe? Porque vi tantas mães a cair e nunca nenhuma mão as amparou. Os filhos andavam muito longe e os anjos talvez tivessem desistido de nos visitar.

Maria da Fonte

segunda-feira, 12 de março de 2012

Poeta















E os poemas nascem como o sol,
Com mais ou menos brilho no horizonte.
Uns aquecem a alma de quem lê,
Outros perdem-se na penumbra do desejo
E morrem como faúlhas.
O poeta, um incendiário de imagens absortas,
Aproveita cada ponto de luz
Para moldar as palavras,
Erguer sonhos singulares.
Depois, tudo o ultrapassa…
Expõe-nas à mercê do vento
E aguarda o reflexo das imagens.

Há dias em que nunca amanhece,
Mas o poeta não teme a noite,
É nela que ouve atentamente o crepitar do poema
E vê acender no céu cada uma das palavras.
Estende no chão o mundo
E basta-lhe a vontade.

Maria da Fonte

quinta-feira, 1 de março de 2012

Grito




















Suspendi
o horizonte
no meu grito
amortalhado
por ventos
adversos.

Cerrei
na minha voz
o infinito
de planos
de sentidos
dispersos.

Esvaído
em sangue
o meu pavor
contaminei
o sol
que morria.

Manchei
de vermelho
a minha dor
Matei a comunhão
que aqui
jazia.

No sufoco
sinistro
do agora
sou a sombra
do grito
que em mim mora.

Maria da Fonte

Este texto faz parte da antologia «Entre o sono e o sonho»

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

AVÓ




















Eras tamanha ,avó, dentro do teu mundo tão pequeno.
E eu gostava tanto de te ver a esticar as palavras
e a dobrá-las em mil pedaços para acudires a tudo.
Que bem eu entendia o teu sacudir de braços,
o teu dizer mudo, o teu olhar profundo.
Avó, sabias que o teu mundo era e meu mundo?
Hoje, o meu céu cresceu, mas as tuas palavras
gelaram no frio da noite.
E eu, avó, fiquei sem ti,
a olhar a vida lá do fundo.
Queria tanto aprender contigo,
ter-te de volta aqui…
Avó, sabias que o teu mundo era o meu mundo?

Maria da Fonte
regiscalheira.wordpress.com